30 dezembro, 2006

...

Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor de arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação como todo o tempo já vivido
(mal vivido ou talvez sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser,
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?).
Não precisa fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar de arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto da esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um ano-novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo de novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.


(Carlos Drummond de Andrade)








Só mais um ano que passou... e outro que entrará de rompante...
Estarei aqui para vivê-lo, para saboreá-lo, partilhá-lo...
e tentar mudar algo.

27 dezembro, 2006


"Se não formos audazes, o que não é sinónimo de irresponsabilidade, se não formos terrivelmente audazes com os nossos sonhos e não acreditarmos neles até os tornar realidade, então os nossos sonhos murcham, morrem, e com eles nós também."


Luis Sepúlveda

18 dezembro, 2006

Para atravessar contigo o deserto do mundo
Para enfrentarmos juntos o terror da morte
Para ver a verdade para perder o medo
Ao lado dos teus passos caminhei

Por ti deixei meu reino meu segredo
Minha rápida noite meu silêncio
Minha pérola redonda e seu oriente
Meu espelho minha vida minha imagem
E abanonei os jardins do paraíso

Cá fora à luz sem véu do dia duro
Sem os espelhos vi que estava nua
E ao descampado se chamava tempo

Por isso com teus gestos me vestiste
E aprendi a viver em pleno vento


(Sophia de Mello Breyner Anderson)

05 dezembro, 2006

(ZoeWiseman)



"E de súbito ficas imóvel assim, instantânea de luz, a boca enorme de alegria e os dentes visíveis de sol, e os olhos rápidos de cintilação. Fica-te assim, oh, não te mexas. Tenho tanto que dar uma volta à vida toda. Não te movas. Sob a eternidade do sol e da neve. Uma malícia súbita no teu riso, no teu olhar. Um clarão à volta de deslumbramento. Irradiante fixo. Não te tires daí. Instantâneo da minha desolação. Tenho mais que fazer agora. Não saias daí. A boca enorme de riso, os olhos oblíquos de um pecado futor. Fica-te aí assim, talvez te procure ainda, talvez te escreva uma carta de amor. Daqui donde estou, está uma tarde quente. De amor."

(Virgílio Ferreira)

02 dezembro, 2006


Se eu pudesse trincar a terra toda
E sentir-lhe um paladar,
Seria mais feliz um momento...
Mas eu nem sempre quero ser feliz.
É preciso ser de vez em quando infeliz
Para se poder ser natural...

Nem tudo é dias de sol,
E a chuva, quando falta muito, pede-se.
Por isso tomo a infelicidade com a felicidade
Naturalmente, como quem não estranha
Que haja montanhas e planícies
E que haja rochedos e erva...

O que é preciso é ser-se natural e calmo
Na felicidade ou na infelicidade,
Sentir como quem olha,
Pensar como quem anda,
E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre,
E que o poente é belo e é bela a noite que fica...
Assim é e assim seja...


(Alberto Caeiro)

(imagem de Paulo Pires)

30 novembro, 2006

(Anna Rosa Krau)

Descanso...

Preciso.

27 novembro, 2006

A hora do cansaço
As coisas que amamos,
as pessoas que amamos
são eternas até certo ponto.
Duram o infinito variável
no limite do nosso poder
de respirar eternidade.
Pensá-las é pensar que não acabam nunca,
dar-lhes moldura de granito.
De outra matérias se tornam, absoluta,
numa outra (maior) realidade.
Começam a esmaecer qunado nos cansamos,
e todos nós cansamos, por um outro itinerário,
de aspirar a resina do eterno.
Já não pretendemos que sejam imperecíveis.
Restituímos cada ser e coisa à condição precária,
rebaixamos o amor ao estado de utilidade.
Do sonho de eterno fica esse gosto ocre
na boca ou na mente, sei lá, talvez no ar.
(Carlos Drummond de Andrade)

23 novembro, 2006

Um dia... um mês... um ano... uma vida...




«O meu mundo não é como o dos outros, quero demais, exijo demais, há em mim uma sede de infinito, uma angústia constante que nem eu mesma compreendo, pois estou longe de ser uma pessimista; sou antes uma exaltada, com uma alma intensa, violenta, atormentada, uma alma que se não sente bem onde está, que tem saudade... sei lá de quê!»



(Florbela Espanca)

20 novembro, 2006

(Adam Albrec)
Renascer...

18 novembro, 2006

(Elena Retfalvi)
Languidez
Fecho as pálpebras roxas, quase pretas,
Que poisam sobre duas violetas,
Asas leves cansadas de voar...
E a minha boca tem uns beijos mudos...
E as minhas mãos, uns pálidos veludos,
Traçam gestos de sonho pelo ar...
Florbela Espanca

17 novembro, 2006

When you were here before
Couldn't look you in the eye
You're just like an angel
Your skin makes me cry
You float like a feather
In a beautiful world
I wish I was special
You're so fucking special
But I 'm a creep
I 'm a weirdo
What the hell am I doing here?
I don't belong here


I don't care if it hurts
I want to have control
I want a perfect body
I want a perfect soul
I want you to notice
When I'm not around
You're so fucking special
I wish I was special


But I'm a creep
I'm a weirdo
What the hell am I doing here?
I don't belong here


She's running out again
She's running out
She run, run, run run
Run…


Whatever makes you happy
Whatever you want
You're so fucking special
I wish I was special
But I'm a creep
I'm a weirdo
What the hell am I doing here?
I don't belong here
I don't belong here.


09 novembro, 2006

Ensina-me como aprenderei a contar
As areias da praia
Sem as espalhar,
Como juntar as nuvens
Sem as esfarrapar,
Como nadar no rio sem me molhar.
Ensina-me a amar sem sofrer
A ter sem saber
A compartilhar e receber
A dar e perder.
Ensina-me a voar
A ter asas e as merecer,
A usar palavras
Sem as estragar,
E sobretudo
Ensina-me a ficar
Aqui a olhar
O vaivém das ondas do mar...



(autor desconhcido)

28 outubro, 2006

O verdadeiro gesto de Amor


"Aquilo que de verdadeiramente significativo podemos dar a alguém é o que nunca demos a outra pessoa, porque nasceu e se inventou por obra do afecto. O gesto mais amoroso deixa de o ser se, mesmo bem sentido, representa a repetição de incontáveis gestos anteriores numa situação semelhante. O amor é a invenção de tudo, uma originalidade inesgotável.
Fundamentalmente uma inocência."



Fernando Namora, in 'Jornal sem data'
The Blower's Daughter

And so it is
Just like you said it would be
Life goes easy on me
Most of the time
And so it is
The shorter story
No love no glory
No hero in her skies
I can't take my eyes off of you
And so it is
Just like you said it should be
We'll both forget the breeze
Most of the time
And so it is
The colder water
The blower's daughter
The pupil in denial
I can't take my eyes off of you
Did i say that i loathe you?
Did i say that i want you to
Leave it all behind?
I can't take my mind off of you
My mind
'till i find somebody new


Damien Rice

26 outubro, 2006


Beijo


Um beijo em lábios é que se demora
e tremem no abrir-se a dentes línguas
tão penetrantes quanto línguas podem.
Mais beijo é mais. É boca aberta hiante
para de encher-se ao que se mova nela.
É dentes se apertando delicados.
É língua que na boca se agitando
irá de um corpo inteiro descobrir o gosto
e sobretudo o que se oculta em sombras
e nos recantos em cabelos vive.
É beijo tudo o que de lábios seja
quanto de lábios se deseja.



Jorge de Sena

17 outubro, 2006

Ontem (re)li...

A um ausente

Tenho razão de sentir saudade,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.

Antecipaste a hora.
Teu ponteiro enlouqueceu, enlouquecendo nossas horas.
que poderias ter feito de mais grave
do que o ato sem continuação, o ato em si,
o ato que não ousamos nem sabemos ousar
porque depois dele não há nada?

Tenho razão para sentir saudade de ti,
de nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos, nem isso, voz
modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança.

Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis da amizade e da natureza
nem nos deixaste sequer o direito de indagar
porque fizeste, porque te foste.


Carlos Drummond de Andrade
(1902-1987)




15 outubro, 2006

Já há música!!!
(finalmente a dar música)

13 outubro, 2006

Loucura...



Já alguém sentiu a loucura
vestir de repente o nosso corpo?
Já.
E tomar a forma dos objectos?
Sim.
E acender relâmpagos no pensamento?
Também.
E às vezes parecer ser o fim?
Exactamente.
Como o cavalo do soneto de Ângelo de Lima?
Tal e qual.
E depois mostrar-nos o que há-de vir
muito melhor do que está?
E dar-nos a cheirar uma cor
que nos faz seguir viagem
sem paragem
nem resignação?
E sentirmo-nos empurrados pelos rins
na aula de descer abismos
e fazer dos abismos descidas de recreio
e covas de encher novidade?
E de uns fazer gigantes
e de outros alienados?
E fazer frente ao impossível
atrevidamente
e ganhar-lhe, e ganhar-lhe
a ponto do impossível ficar possível?
E quando tudo parece perfeito
poder-se ir ainda mais além?
E isto de desencantar vidas
aos que julgam que a vida é só uma?
E isto de haver sempre ainda mais uma maneira pra tudo?
Tu Só, loucura, és capaz de transformar
o mundo tantas vezes quantas sejam as necessárias para os olhos individuais
Só tu és capaz de fazer que tenham razão
tantas razões que hão-de viver juntas.
Só tu tens asas para dar
a quem tas vier buscar.
José de Almada Negreiros

07 outubro, 2006

Pensamento...


"Cada um de nós é uma lua e tem um lado escuro
que nunca mostra a ninguém."
Mark Twain

01 outubro, 2006

Crepúsculo
É quando um espelho, no quarto,
se enfastia;
Quando a noite se destaca
da cortina;
Quando a carne tem o travo
da saliva;
e a saliva sabe a carne
dissolvida;
Quando a força da vontade
ressuscita;
Quando o pé sobre o sapato
se equilibra...
E quando às sete da tarde
morre o dia
- que dentro de nossas almas
se ilumina,
com luz lívida, a palavra
despedida.
David Mourão-Ferreira

30 setembro, 2006

"Nem todos os caminhos são para todos os caminhantes"
Goethe

27 setembro, 2006

Lua adversa
Tenho fases, como a lua.
Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua...
Perdição da minha vida!
Tenho fases de ser tua,
tenho outras de ser sozinha.
Fases que vão e vêm
no secreto calendário
que um astrólogo arbitrário
inventou para meu uso.
E roda a melancolia
seu interminável fuso!
Não me encontro com ninguém
(tenho fases, como a lua...)
No dia de alguém ser meu
não é dia de eu ser sua...
E, quando chega esse dia,
o outro desapareceu...
Cecília Meireles

26 setembro, 2006


Electroshock
Juan Carlos Claver
98 min. Espanha 2006
Versão original

Pelas 22h no São Jorge, pronta para ver mais um filme do 10º Festival de Cinema Gay e Lésbico de Lisboa (já tinha assistido a alguns no Quarteto) e deparo-me com algumas pessoas conhecidas... Não são essas que estão a pensar, são minhas conhecidas a nível profissional ou é a amiga da amiga, ou o amigo do amigo. Pois, ainda hoje alguns se escondem...
Bem (não dispersando), o filme! Baseado em factos verídicos, (mais uma) história de amor entre duas mulheres, que resistiu à família, ao internamento, a choques eléctricos e à Morte! É um drama, ultrapassa muitas barreiras e vence. Pilar e Elvira eram tão diferentes aos olhos dos outros...



Saí a desejar amar assim...



20 setembro, 2006

Amar!


"Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: Aqui...além...
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente
Amar!Amar!E não amar ninguém!

Recordar?Esquecer?Indiferente!...
Prender ou desprender?É mal?É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!

Há uma Primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!

E se um dia hei-de ser pó,cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder... pra me encontrar..."




Florbela Espanca

16 setembro, 2006

A música...

Depois de ver dois concertos da Marisa Monte, decididamente a voz daquela menina tira-me do sério, fico com a 'alma cheia', faz-me querer mais, ouvir mais.
Como sou novata nestas andanças, ainda não sei inserir a 'caixinha de música'!
No entanto aqui vai a letra de uma música, caso queiram podem consultar o site http://www2.uol.com.br/marisamonte/site/abertura.htm.


Até parece

Até parece
Que não lembra que não sabe
O que passou
Não faz assim
Não faz de conta que não pensa
Em outra chance pra nós dois
Olha pra mim
Não me torture, não simule
Não me cure de você
Deixa o amanhã dizer


(Marisa Monte/Dadi/Arnaldo Antunes/Carlinhos Brown)

12 setembro, 2006

Palavras...


Já ouvi dizer: 'Palavras para quê? O que conta são os gestos, as acções...'

Palavras para escrever, ler, ouvir, falar, envolver, cativar.
As que desejamos, apaixonamo-nos, amamos, odiamos, cheias de sentimentos. Envolvem...
Palavras de ontem, hoje e de amanhã, que perpetuam no universo, certas e certezas, incertas e cruéis.



'Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca,
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.

Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto,
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.

De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas, inesperadas
Como a poesia ou o amor.

(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído,
No papel abandonado)

Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte.'


Alexandre O'Neill


Por vezes, nos sítios mais estranhos, encontro algo para ler, que me distrai do que me rodeia e me deixa extasiada, que satisfaz…


“Inevitavelmente, voltamos sempre ao mesmo: o amor!...
Tudo já foi dito e redito, tudo teve o seu direito e o seu avesso, no entanto, quando o dizemos de dentro, é como se tudo num breve instante se esbatesse e reencontrássemos a voz primordial. É assim com a pessoa amada, é assim em todas as canções de amor.
Claro que gostamos de finais felizes, claro que fazemos sentir a nossa falta, claro que nos irritamos, claro que projectamos na voz da pessoa amada os nossos mais secretos desejos…
Claro que nos desiludimos para voltarmos ao mesmo: o amor!
Atravessamos um deserto cego e frio e só depois nos damos conta; deixamos livros marcados para que o outro dê conta de nós; rasgamos a pele e a roupa para que, num desespero de carência, se ofereça o essencial… e, no entanto, só perante o amor avaliamos a nossa total fragilidade. É o suspenso momento de todas as indefinições, de todos os medos, de todas as dúvidas… Mas, simultaneamente, o grande delta de toda a razão de ser, a grande casa inacabada.”

João Monge In CD O Assobio da cobra

09 setembro, 2006

A causa do título...

Entre os teus lábios

"Entre os teus lábios
é que a loucura acode,
desce à garganta,
invade a água.

No teu peito
é que o pólen do fogo
se junta à nascente,
alastra na sombra.

Nos teus flancos
é que a fonte começa
a ser rio de abelhas,
rumor de tigre.

Da cintura aos joelhos
é que a areia queima,
o sol é secreto,
cego o silêncio.

Deita-te comigo.
Ilumina meus vidros.
Entre lábios e lábios
toda a música é minha."


Eugénio de Andrade